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70 anos do

CLUBE DE CULTURA

Por Cesar Dorfman

No dia cinco de maio de 1950 um grupo de pessoas se reúne na sala de uma casa na Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre. Objetivo: oficializar algo que já vinha sendo planejado há bom tempo, a criação do Clube de Cultura. Curioso constatar hoje, como prova das mudanças sociais, que mesmo sendo aquele grupo formado por intelectuais progressistas, quase todos casados, só haviam homens naquela reunião. Eu tinha nove anos e, sempre com as antenas levantadas, atento, ouvia meus pais, tios, amigos deles, em encontros em nossa casa, falando, trocando ideias, discutindo. Meu nível de compreensão, vista a idade, era limitado mas hoje, pensando, tenho certeza de que as ideias centrais daquilo que eles planejavam estavam ao alcance de meu entendimento. Sabia que aquele grupo estava pensando em criar um local onde a Arte e a Cultura, além do que eles chamavam de “progressismo”, pudessem ser acolhidos e desenvolvidos. Conheciam experiencias de instituições similares a esta que agora estavam criando, narradas pelos mais velhos, emigrantes, constituídas na Europa Central por descendentes de judeus, intelectuais, e que não encontravam nas sinagogas, o local de sociabilidade dos Guetos, o ambiente favorável. Agora no Brasil, Porto Alegre, a história se repetia. Haviam criando, em sala cedida por uma sinagoga, pequena biblioteca, nela agrupando intelectuais para estudos, troca de ideias. Acabaram, aos poucos, sendo hostilizados e finalmente excluídos. A saída: a criação de espaço próprio. Já, por esta época, existiam no Brasil e em alguns países da América do Sul experiencias deste tipo que eram também do conhecimento do grupo. Na sequência, algum tempo depois desta primeira reunião oficializada, com o grupo aumentado, foram eleitos, a Diretoria e o Conselho Deliberativo. Com cotização de todos foi alugada velha casa na rua Ramiro Barcelos !853 e iniciado o caminho desta entidade que hoje é parte importante da história cultural da cidade. Após alguns anos a casa alugada foi comprada com cotização de um grupo de associados o que solidificou materialmente a ideia inicial, agora o Clube era uma realidade perene . Mais uns anos e se concretiza a operação exitosa em que se constrói edifício, entrando o Clube com o terreno e recebendo em troca o espaço da atual sede. Esta evolução, agora com um local amplo e com um bom auditório, permitiu a ampliação das atividades artístico-culturais, o aumento de sócios e público ouvinte e, mais importante, a inserção do Clube de Cultura no mapa dos locais importantes na cultura de Porto Alegre. Ao longo de setenta anos algumas gerações passaram, como integrantes ou como espectadores, pelo espaço da Ramiro Barcelos e na memória destas pessoas está a memória do Clube e de nossa cidade. Isto se mostrou como verdade no dia em que recebemos, em reunião do Conselho de Cultura de Porto Alegre, o documento de tombamento de nossa entidade. Estavam reunidos, ao redor de grande mesa, o Secretario de Cultura e Conselheiros de várias áreas: escritores, professores, músicos, artistas plásticos, filósofos... e, um a um, todos fizeram questão de pedir a palavra narrando passagens de suas vidas ligadas às atividades do Clube. Descrever os principais eventos acontecidos nesta longa trajetória é impossível neste breve texto (em breve será lançado livro contando esta história). O Clube teve Departamento de Teatro, com elenco próprio e importantes encenações, destacando-se a recuperação de importante autor gaúcho em memorável montagem com repercussão nacional – Qorpo Santo. Grupos de fora também se apresentaram, entre eles o Teatro de Arena de São Paulo, o CPC da UNE e grupos argentinos e uruguaios. Também possuiu um Coral que se apresentou em vários espaços de Porto Alegre e do Interior. A música sempre esteve presente e muitos, hoje importantes compositores, se apresentaram, por primeira vez, no palco do Clube. Também acolheu diversos grupos que, em diversas épocas, basearam no Clube suas atividades: a Frente Gaúcha de Música Popular; a Coompor – Cooperativa dos Músicos de Porto Alegre; Grafar- Grupo de artistas plásticos; Clube de Cinema; e muitos outros. Grandes personalidades nacionais fizeram palestras em diversas épocas: Jorge Amado, Graciliano Ramos, Vinicius de Moraes, Ciro Martins, Dionélio Machado. Cito estas como marcantes para mim e apenas como exemplo. Para completar este quadro, uma tentativa de visão sintética para aqueles, mais jovens, que não tiveram a felicidade de acompanhar a vida do Clube, importante é dizer que durante décadas o Clube de Cultura proporcionou aos porto-alegrenses uma experiencia única, um espaço aberto que qualquer um podia frequentar. Tendo ou não atividades artístico-culturais, todas as noites ali podiam se encontrar pessoas das mais diversas áreas para um simples e descontraído bate papo. Muitos acontecimentos importantes assim se iniciaram. Agora, em maio de 2020, em meio a pandemia mundial, atônitos, presos a nossas casas, podemos e, tendo muito tempo para isto, refletir sobre a experiencia do Clube, talvez um exemplo de outra forma de vida comunitária possível. Espaços onde haja o encontro, a confraternização, o cultivo da amizade, diferente de lugares de consumo como, por exemplo, shopping centers, são possíveis e necessários para a saúde das comunidades. O Clube de Cultura comemorando setenta anos de atividade, e apesar de todas dificuldades, continua aberto, com eventos acontecendo, vivo e como trincheira contra o avanço de um modo de vida deplorável e que agora, com a crise mundial que não poupa ninguém, se mostra claramente com toda sua brutalidade. Agora, apesar de tudo, temos a satisfação de comemorar o evento, em casa, e manter a esperança de que em futuro próximo possamos nos encontrar, conversar, rir com felicidade e, em lugares como o nosso querido Clube de Cultura, começar a reconstruir uma vida mais saudável e uma Sociedade mais justa.

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